sábado, 19 de setembro de 2009

Moribumdo

Há dentro de mim um animal doente, mais morto que vivo, que passa os dias que lhe restam adormecido, despertando num repente quando menos espero.
Apesar de muito maltratado e estraçalhado, o pobre bicho lá se levanta de vez em quando, erguendo-se lentamente sobre as quatro patas oscilantes, para depois se afastar manco ao mesmo tempo que rosna a quem o persegue, com os beiços bem recuados sobre os dentes.
Cada vez mais magoado, o animal arrasta-se para os cantos mais escuros que descobre, em busca de um esconderijo onde se possa achar só, mas seguro.
Às vezes, penso que já se entranhou tão profundamente nas trevas que ou já lá se perdeu e para sempre o hei-de recordar com uma certa nostalgia, sem saber se continua vivo ou não, ou se já morreu mesmo, encolhido algures onde eu não o possa ver.
Porém, quando menos espero, ele surge correndo ligeiro, com o focinho e a cauda levantados, as patas possantes, ignorando as dores das lutas passadas, ao chamamento de um sonho ou de uma expressão determinante e fatalista como "nunca mais" que ponha em risco as suas esperanças.
Rosna e late, furioso, defendendo com vontade e dedicação as coisas que toma como suas e não o são, antes de tornar a afastar-se, com feridas ainda mais profundas, rumo a escuridão. Até hoje, foi sempre derrotado.
As feridas não saram, e o pobre bicho tem o pêlo branco sempre sujo de sangue fresco, que há muito desistiu de lamber. A minha esperança, é que morra antes de ficar completamente mutilado, para não ter de passar por horrores piores.
Mas algo me diz que este animal persistente nunca há-de morrer: recusa-se a abandonar o seu propósito. Porém, poderá resignar-se a procurar os seus objectivos num outro lugar, onde seja mais bem sucedido.
Talvez fique tão cansado e dorido que adormeça ou desmaie, e as suas feridas sarem durante o sono.
Creio, infelizmente, que quando tornar a abrir os olhos, terá o corpo repleto de cicatrizes a recordar-lhe o martírio, e nunca mais recuperará a beleza de outrora.

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