segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Foi assim

Quando era muito, muito pequenina, tinha o hábito de agrafar várias folhas de papel umas às outras, rabiscando depois as páginas com lápis de cera e apresentando orgulhosamento o meu trabalho aos meus pais como sendo "livros".

Mais tarde, comecei a copiar letras de revistas, cartões... tudo quanto tivesse alguma coisa escrita.
Desenhava letras toscas e feias, dispondo-as aleatóriamente em filas tortas ao longo das páginas.
Mesmo que os meus pais me dissessem que não estava a escrever nada, ou que as letras estavam mal-feitas, aquele passatempo era mesmo muito bom.

Porém, com o tempo, esqueci-me dele: por mais interessante que escrever com letras disformes pudesse ser, ir à pré-primária todos os dias era muito mais divertido.
Assim, abandonei por algum tempo os meus hábitos de muito-jovem-escritora, e dediquei-me a coisas como decorar canções infantis e aprender os nomes dos dias da semana.

Até que um dia um dos meus colegas trouxe um filme, que queria ver com os amigos e a educadora. O filme chamava-se "Balto", e contava a história de um cão arraçado de lobo, que morava numa cidade no norte do Alasca. Apesar de ser desprezado por todos, quando uma epidemia atingiu as crianças da cidade, deixando-as à beira da morte, Balto arriscou a própria vida para as salvar.
Em Nome, que era como se chamava a cidade onde morava Balto, não havia os medicamentos necessários para salvar as crianças da Difteria, e devido às duras condições climatéricas, a única maneira de fazer chegar os medicamentos à Cidade era através de trenós puxados por cães.
Quando a equipa de cães encarregues de trazer os remédios se perdeu numa tempestade de neve, Balto ajudou-os a encontrar o caminho de volta a casa, salvando as crianças de toda a cidade.
No filme, Balto enfrentava um enorme urso pardo, escapava a uma avalanche e saía intacto de uma caverna cujo tecto repleto de estalactictes se desmoronava sobre ele e a equipa de cães que liderava. Entretanto, conseguiu: manter intacta a caixa onde eram transportados os frágeis frascos de medicamentos, consquistar a sua amada Jenna, uma maravilhosa cadelinha husky, e provar que tinha um bom coração ao derrotar o malvado Still, um husky invejoso e cínico, sem o atacar, nem mesmo quando este o feriu.

Aquele filme mudou a minha vida. Aos dez anos de idade, pelo Natal, finalmente consegui um DVD com a história de Balto, e ainda hoje choro ao ver o meu herói chegar a Nome e salvar as crianças. Choro ao pensar como a minha vida teria sido diferente se não fosse o Balto:

Porque, quando vi aquele filme pela primeira vez, algo mágico aconteceu: eu quis criar o meu primeiro personagem.
Queria ter um lobo só meu, forte, inteligente e belo como Balto.
Seria uma loba, para que eu pudesse encarnar nela no meu vasto mundo de imaginações... Ia ser branca, porque era a cor mais bonita de todas; e... precisava de mais alguma coisa, para ser mais especial ainda... Ah! Ia ter asas. A única loba com asas que alguma vez existira, e era minha, e era eu.

Falei aos meus pais e ao meu irmão da minha loba alada por algum tempo, mas logo achei que as meninas crescidas não pensavam em coisas como lobos com asas.
Portanto, comecei a dizer com desprezo ao meu pai e à minha mãe "quando eu era pequenina, imaginava uma loba branca com asas... mas agora já não".
Era mentira, e acho que toda a gente sabia que eu continuava, em segredo, a imaginar histórias para a minha loba alada.

Porém, quando aos cinco anos entrei para a escola primária e comecei a aprender a escrever a sério, a pôr por ordem lindas letras desenhadas com complexas linhas curvas e contra-curvas; já não tinha tanto interesse pela escrita.
Inexplicavelmente, decidi que ler era a coisa mais chata do mundo, e que escrever não devia ser melhor.
Para me dissuadir, a minha mãe impôs-me uma nova regra: cada dia, teria de ler pelo menos uma página de um livro.
Era como um castigo... Todos os dias, eu lá me sentava na poltrona da sala, e, "de trombas", lia uma página de um livro qualquer, que parecia nunca mais acabar...
Foi então que, certa vez, a minha mãe entrou no meu quarto e pousou quatro grandes livros na minha estante.
-Vais lê-los. São giros. - disse ela, de sobrolho franzido para que eu percebesse que estava a falar a sério.
Fiquei tão amuada que nem consegui responder. Olhei pelo canto do olho para os livros, fulminando-os com tanta raiva que não me surpreenderia se começassem a arder.
Nessa noite, escolhi dos quatro o mais pequeno, e assim que li o título decidi que aqueles montes de folhas iam ser ainda mais aborrecidos que todas as páginas de todos os livros que tinha lido até então: "Harry Potter e a Pedra Filosofal".
Eu nem sequer sabia o que era uma "pedra filosofal", como é que aquilo me podia interessar?!
Estava enganada. A partir daquela noite, era comum o meu pai ou a minha mãe terem de se levantar da cama e ir até ao meu quarto para me mandar parar de ler e apagar a luz (às vezes esperava que eles se deitassem outra vez para continuar a leitura).
Gostei de tudo naquele livro: as descrições, os personagens, a história...
Estava sempre ansiosa por descobrir como acabavam as histórias, mesmo ficando triste quando chegava ao fim do livro.

Lembro-me que, para meu azar, o meu pai começou a ler os livros também. Lia mais rápido que eu, e por vezes, quando eu acabava um livro, ele já estava a ler o próximo:
-Vá lá, pai, deixa-me ler só um bocadinho!
-Não, agora estou eu. - respondia ele.
Mas o pior, era quando o pai dizia, com um sorriso brincalhão:
-Bem, Carolina, aquele livro é espectacular! Tu vais adorar! Devias ver o que acontece ao... Ah, espera, não posso contar...
Às vezes provocava-me tanto que ia buscar o livro à mesinha de cabeceira dele e não lho devolvia.

Entretanto, quando a minha professora nos mandava escrever uma composição como trabalho de casa, eu esforçava-me por igualar a minha escrita à de J.K.Rowling. Sentada ao meu lado, estava minha mãe, que também tinha talento para a escrita e que passou muitas horas a corrijir e ajudar-me a compor os meus textos.

Motivada pelas histórias de Harry Potter, e pelo meu re-descoberto gosto pela escrita, eu decidi escrever a história da minha loba alada.

O único mal, era que a minha loba não tinha nome!Como é que eu ia escrever um livro sobre a minha loba alada, sem lhe saber o nome?

Encontrei o nome ideal durante uma conversa com a minha mãe, em que ela me contou que um dos nomes que me queria dar, era "Sahara".
Achei-o o mais bonito de todos os nomes. Era tão exótico, e quando se pronunciava quase que se cantava: "Sa-haa-ra"... Além do mais, era assim que se chamava o maior deserto do mundo, o que lhe acrescentava um carácter misterioso e forte, para além de romântico.
Fiquei triste por não me terem chamado assim, e foi uma consolação poder dar esse nome à minha loba alada.

Pude, então, escrever a história da minha loba! Devia ter seis ou sete anos quando terminei, muito orgulhosamente, uma história de seis páginas, em que Sahara derrotava um temível dinossauro.
Ainda não consegui perceber muito bem onde fui buscar a ideia...

Desde então, nunca parei de escrever.
Adorava todo o tipo de texto, todo o género de história!
Escrevi contos, romances e poemas sobre tudo. Deste modo, eu teria treino e talento suficiente para alcançar a minha maior aspiração: escrever um romance com a história de Sahara.
Queria que fosse uma história muito melhor que aquela que escrevera à anos atrás, que me levasse à celebridade e, sobretudo, que imortalizasse a minha loba.

Mas os meus planos tinham um inimigo, alguém de quem nunca suspeitara e que fui incapaz de combater: eu.
A única coisa com que eu não contara, fôra crescer.
Quando me dei conta da fragilidade, da subtileza que a minha imaginação começava a adquirir,já era tarde demais: já não conseguia escrever as mesmas coisas que escrevia antes. Apesar de compor melhor as frases, os textos... as ideias já não eram as mesmas.

Apesar de tudo, continuei a escrever, e hoje, estou onde estou.

Esta é a história da minha escrita. Tudo o que tenho agora, foi resultado do meu trabalho ao longo de muitos anos.
Sempre escrevi. Mesmo quando não havia nas minhas páginas uma única palavra coerente, ou quando as minhas histórias não passavam de descargas de imaginação sem sentido... eu gostava de escrever, e eu precisava de escrever.

Agora sei que provavelmente nunca virei a escrever um romance com a história da minha loba. Esperei demasiado para o fazer. Porém, tenho novos planos para ela: talvez toda a minha obra venha a ser a sua história.
Afinal, eu sou Sahara... Seria um erro procurar outra história para mim que não a minha.
Se trabalhar o suficiente, e sempre com gosto... Talvez consiga levar Sahara onde quero.

sábado, 22 de agosto de 2009

abelhas, baleias, e pastéis de Belém

"Vou para um lugar onde só há pinheiros e mar."
"Esses lugares são bons para pensar..."
"Pensar em quê, David?"
"Em abelhas, baleias e coisinhas pequeninas como pastéis de Belém."

Este foi um dos conselhos mais inúteis e desprovidos de sentido que David, o meu melhor amigo, me deu. Supera-se todos os dias, surpreende-me repetidamente. Todas as vezes que penso que atingiu o auge, ele vai um pouco mais além.
Se bem que às vezes diga algumas coisas bastante acertadas...