segunda-feira, 18 de junho de 2012

o meu primeiro dólar

-And here's a little something for you. - disse a senhora, estendendo-me uma nota.
Pela cor e proporções, soube imediatamente que não se tratava de Euro, e que era portanto completamente inútil para mim. Confusa, hesitei durante um segundo. Mas a senhora insistiu:
-It's for you. It's a tip.
Decidi aceitar o dinheiro sem me queixar, achando que seria indelicado pedir à senhora: "Could you check your wallet for Euros, if you don't mind? 'Cose since you're going to give me a tip, you might as well give me one I can use".
Agradeci e saí do quarto, certificando-me de que a porta estava bem fechada atrás de mim. No elevador, de volta à cozinha, olhei para o dinheiro. Era uma nota de um dólar.
Não consegui reprimir um surpreso e fascinado "Oooh!".
Nunca na minha vida tinha visto um dólar mesmo à minha frente, quanto mais segurado um. Examinei detalhadamente os desenhos, e perguntei-me qual seria o significado de cada um. Quando o elevador parou, pensei com uma certa vergonha que devia parecer uma pobre imigrante, daquelas que sonha o Sonho Americano sem sequer ter visto a América, e que nutre crenças ignorantes do género "não há gatos na América, e as ruas estão cheias de queijo".
Há que ter orgulho e preservar a nossa dignidade.
Enrolei a nota e escondi-a no meu punho fechado, não fosse algum colega vê-la e revelar-me alguma regra que me obrigasse a partilhar as minhas gorjetas com o resto do pessoal. Até porque nunca vi mais ninguém receber uma.
Discretamente, guardei o meu dólar na minha mala e voltei a minha atenção para uma família de hóspedes: era urgente levar para a cozinha os pratos sujos, antes que o bébé sujasse ainda mais a mesa que os pais desesperadamente tentavam limpar.

domingo, 10 de junho de 2012

Nós e o amor

Pensando bem, acho que os sentimentos só foram valorizados (até demais), durante o Romantismo, tão desprezado desde o seu ultimo dia como no primeiro foi trágico, arrebatador, ou, dizia uma professora minha, "sublime".
Parece-me que hoje vemos os sentimentos, principalmente ao amor, como algo nefasto.
Quaisquer demonstrações de se estar apaixonado são foleiras, pirosas. Sentir a falta de alguém é sinal de fraqueza. Assumir um compromisso é abdicar da liberdade, preferindo tranquilidade e responsabilidade (tão associadas à velhice), em vez de folia e descontracção (características da juventude, hoje idolatrada como nunca antes foi). 
A indiferença é atraente, não se "precisar" de ninguém é confundido com independência, e a promiscuidade  é (para alguns e até certo ponto) uma qualidade, porque, ironicamente, uma pessoa que não tenha uma vida amorosa (leia-se antes "sexual") activa não é invejável... .
Acho que, pelo menos no mundo ocidental, vivemos no sentido da realização do indivíduo, e, dependendo das vantagens ou desvantagens que poderá trazer a cada um de nós, o sucesso de uma relação (seja ela entre um casal, uma família, ou mesmo comunidade) é secundário.
Gostaria de sublinhar já no principio deste parágrafo (para não correr o risco de ser mal interpretada) que não sou anti-feminista ou machista ou nada que se pareça. Partilho a opinião da esmagadora maioria das pessoas de hoje em dia de que ambos os sexos devem ter os mesmos direitos e deveres. E quero ainda acrescentar que este texto não se trata de uma critica, mas de uma humilde análise, e admito que pode estar errado. Penso que a nossa maneira de encarar os sentimentos, e consequentemente as relações, começou a mudar, muito lentamente, a partir do momento (não me refiro, naturalmente, a uma data específica) em que as mulheres começaram a poder comportar-se como homens. Agora capaz de se sustentar, a mulher é independente. Já não precisa de se preocupar com encontrar e manter um parceiro que possa dar-lhe a vida que ela quer. Por sua vez, o homem está livre do fardo de sustentar toda uma família. Já nenhum deles depende do outro, e portanto as suas responsabilidades perante o parceiro são cada vez menores, assim como a importância do compromisso. Este não foi o único factor a contribuir para esta mudança, claro. Todavia penso que poderá ter sido dos mais importantes.
Agora que as relações amorosas são efémeras e insignificantes, ou aborrecidas se longas, constituir família é o terrível primeiro passo para estabelecer um série de relações ainda mais sufocantes que qualquer ligação passional: ligações paternas.
Ao contrário das relações passionais, as relações paternas são (salvo lamentáveis excepções) vitalícias, consomem muito tempo e, exigem muita responsabilidade. Por outras palavras: requerem sacrifício.
Um bebé a crescer no ventre da mãe é como um cancro a devorar com apetite insaciável a vida dos pais.

Talvez tenha sido demasiado fria ao escrever isto. Eu própria não tenho a certeza se não o terei feito sob influência da minha personalidade romântica desiludida.