Penso que eu, o meu irmão e os nossos primos éramos crianças bastante organizadas. Exceptuando os nossos quartos, gostávamos de ter tudo no sítio, cada coisa no seu lugar. De tal maneira que chegámos a numerar as nossas brincadeiras.
Parecia uma ideia brilhante, como se atribuir números nos facilitasse a vida (para quê dizer: "vamos brincar às barbies e aos action men" quando: "querem brincar à brincadeira três" é muito mais fácil?). Além do mais, fazia uma mera brincadeira parecer uma coisa séria (os números estão sempre relacionados com coisas sérias), quase de adultos. E até parecia um código secreto, que mais ninguém entendia. Isto agradava-nos particularmente: na altura, pensávamos que se falássemos em frente aos adultos com palavras que eles não compreendiam, eles iam pelo menos tentar descobrir o seu significado, como se lhes interessasse para alguma coisa as parvoíces que nós andávamos para ali a dizer e não tivessem nada mais importante ou interessante para fazer.
A ideia foi por água abaixo quando nos apercebemos de que nós próprios não conseguíamos decorar os números de todas as brincadeiras:
-Querem brincar à brincadeira nove?
-Quê, ao Monopólio?
-Não, ao Quarto Escuro!
-Pensava que o quarto escuro era a brincadeira dois...
-Não era a doze?
Foi uma confusão. Dentro de pouco tempo voltámos a referir-nos às brincadeiras como costumávamos fazer antes de nos termos lembrado de numerá-las, até porque já só sabíamos o número de uma brincadeira; a brincadeira sete: descansar.
Era aquela a brincávamos mais, nas tardes de Verão em casa dos avós. Isto porque o calor nos fazia moles, e às quatro da tarde era a hora da sesta da avó. Era um momento sagrado para ela, pelo que não tolerava o menor som.
Assim, íamos os quatro para o quarto e olhávamos uns para os outros até um de nós dizer:
-A que é que querem brincar?
-À brincadeira sete.
Então deitávamos-nos todos na cama de casal, três com a cabeça nas almofadas e o ultimo a chegar à cama aos pés dos outros, porque a cama não era suficientemente larga para todos.
Era uma brincadeira muito aborrecida (o Alexandre não gostava nada dela) mas às vezes até sabia bem...
Hoje, ao lembrar-me dela, apercebi-me de que o seu numero corresponde ao da perfeição...
Éramos geniais, mesmo sem querermos.
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